quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Stones, exu e tapioca no Capão Redondo



Abordar identidade no Brasil (ou do Brasil) é necessariamente trabalhar as multiplicidades étnicas que nos formam enquanto país continental rico de matrizes culturais. Focando na questão de trabalhar identidades étnicas e sociais com os nossos alunos, não podemos perder de vista que também são jovens urbanos, periféricos (geográfica e economicamente), distantes do centro e ao mesmo tempo inseridos na “grande cultura global de massa”.

Não podemos negar a força dos meios de comunicação no desenvolvimento do “gosto” para este ou aquele tipo de música ou poética. E também da noção de “tribos”: skatistas, roqueiros, rappers, clubbers, pagodeiros, entre outros. Trabalhamos com esses personagens públicos do consumo cultural, com toda a sua riqueza de sinais, gírias, poéticas, vestimentas e valores.

Eleger um meio (o rap) como A forma de expressão da realidade e construção da identidade é no mínimo excludente. Ou achar o rap “a voz da realidade” é no mínimo estar desatento para outros “modelos” ou “meios” de expressão de nossos jovens. É trabalhar com a “caricatura” do “jovem periférico”, ser social muito mais amplo que isso. O rap é mais uma forma de expressão possível.

Trabalhar as identidades em sala de aula é buscar a vivência dos alunos. Pois estar e ser em sala de aula, quase sempre extrapola as cercas invisíveis dos currículos. É possível dar sentido e “mostrar” nossas raízes indígenas, por exemplo, ao lembrar que aquela tapioca que vende na esquina do Capão Redondo, é comida de índio, apropriada e reelaborada por nossa cultura. Mas ainda assim “comida de índio”, deliciosa por sinal.

Ou o despacho da esquina – do lado da igreja evangélica - é exemplo de uma religião politeísta africana ainda viva e pulsante em nossa cultura. Não chuta porque é macumba! Mais respeito! E vem turista lá do estrangeiro para tirar foto. Já até influenciou a musica pop mundial, através dos Stones (“Sympathy for the Devil”, nasceu depois das experiências da banda num terreiro de macumba do RJ, nos anos 60). O som negro do blues americano mixada ao exu das esquinas cariocas.

É partir da simples tapioca ou do despacho e em sala de aula, estender o olhar. Interrogar sobre. E auxiliar nas buscas das respostas.

E ouvir: “Mas professor, macumba é do mal!”  Só essa afirmação de um aluno já rende aulas, debates e pesquisas sobre: a cultura de países africanos, escravidão, liberdade religiosa, mitologia afro, tolerância, enfim, tão rico.

Tantos caminhos para trabalhar algo ali, real, diário, cotidiano com tantos desdobramentos sobre nossa história e nossa cultura ou como diz a autora “o estudo da história e cultura afro-indígena brasileira pode ser uma ferramenta para a melhoria do ensino público, desde que se tenha como ponto de partida a realidade de cada comunidade atendida.”

E pousamos nos conceitos de culturas híbridas, globalizadas, entroncadas e o desafio de “manter” ou “preservar” a cultura local. O meu positivismo (não no sentido de Comte, mas do otimismo) me conduz para o caminho da informação e valorização dos traços locais, vivos, existentes. E através de múltiplos vieses existentes, trilhar os caminhos da interrogação e pesquisas, que possam “localizar” os alunos no interior dessa amálgama fervente que é a noção de identidade no/do Brasil.